Foto: Pedro Piegas (Diário)
A convenção coletiva de lojistas e comerciários para 2019/2020 foi concluída dois dias antes do feriadão de Páscoa. Mesmo passado o primeiro feriado com a possibilidade de comércio aberto, o texto do acordo ainda traz dúvidas, principalmente sobre a bonificação dos funcionários, que é diferente entre quem paga e quem não paga a contribuição assistencial ao Sindicato dos Comerciários. O Diário conversou com advogados trabalhistas e previdenciários para entender a legalidade da diferenciação.
Para a advogada trabalhista Priscila Kramer, a convenção está amparada legalmente, pois com a Reforma Trabalhista, em vigência desde novembro de 2017, trouxe como um dos princípios a prevalência de acordos sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Contudo, ela acredita que, mesmo com o fato de ter amparo legal, a maneira como a convenção foi finalizada gera diferenciação entre os empregados:
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- Não ameniza a situação de estar de certa forma gerando discriminação ao impor diferenças em pagamentos e compensações quando dos trabalhos em feriados entre quem paga e quem não paga a contribuição (assistencial), pois sendo a justificativa que o ganho em pecúnia (dinheiro) se dá pelo fato de ter o empregado que pagar a contribuição. Não parecem razoáveis os valores sugeridos a título de bônus pelo trabalho prestado em feriados - opina a advogada.
Já o advogado previdenciário Átila Abella diz que se a relação de emprego é igual, "o direito não está na situação sindical ou negocial, está no trabalho". Ele reforça que preterir remuneração ao trabalhador por esse argumento fere a isonomia da categoria. O advogado avalia que se um trabalhador se sentir lesado e quiser levar o caso à Justiça, poderá conseguir equiparação dos benefícios.
CENÁRIO NOVO
A advogada trabalhista Denise Rocha e Silva diz que a situação é muito nova em todo o país e que não há um padrão ainda para o assunto. Ela conta que em São Paulo, onde a convenção fez algo semelhante a Santa Maria, houve casos em que os trabalhadores perderam as ações porque os juízes que avaliaram o caso entenderam que os acordos fechados são legais. Em outros Estados, a situação foi diferente.
- Esse assunto ainda está em efervescência. Entendo que a forma como foi posta na convenção (as maneiras diferentes de bonificar os empregados) é um jeito de pressionar. Os sindicatos perderam muito com a Reforma Trabalhista, com o fim do imposto sindical, e sem verba, perdem força. E quando perde força, fica mais difícil de lutar por direitos. Mas acho que não é assim que o sindicato vai conseguir atrair a categoria. Os sindicatos precisam se reinventar, com inteligência. Porque fica na vitrine mais o negativo do que o positivo - opina Denise.
O QUE DIZEM OS SINDICATOS
Apesar da diferenciação estar no acordo pelo Sindicato dos Comerciários, o advogado do Sindicato dos Lojistas, Rafael Bagolin, diz que as entidades representativas de categorias estão buscando maneiras de encontrar receita, especialmente após o fim do imposto sindical. Contudo, ele acredita que o acordo fechado beneficia os empregados, seja eles pagando a contribuição assistencial ou não.
- Pela lei, o funcionário só tem direito às horas trabalhadas, com a convenção tem o bônus mais uma folga, ou horas em dobro e, no caso de quem não paga a contribuição, duas folgas em dia de semana em até 30 dias. Tudo isso é muito, mesmo as duas folgas, está acima do que seria possível. É um ganho, um grande ganho - analisa Bagolin.
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Ele diz que a convenção também prevê pagamento de contribuição pelos lojistas, porém, sem obrigatoriedade para o funcionamento das lojas nos feriados. É uma contribuição anual, de R$ 72 por funcionário, que prevê a manutenção do sindicato.
A assessora jurídica do Sindicato dos Comerciários, Márcia dos Santos, defende que o que mantém a entidade são os trabalhadores e avalia que, no próximo ano, "poderá não ter mais sindicato, caso o trabalhador deixe de mantê-lo". A advogada diz que diferenciação de bônus é uma forma de valorizar quem contribui com o sindicato e que não há prejuízo para quem não paga a taxa.
- É importante lembrar que a convenção estabelece uma série de garantias aos empregados que não estão na CLT - afirma Márcia.
A advogada trabalhista Denise Rocha e Silva diz que, apesar da legalidade de solicitar a contribuição assistencial ao Sindicato dos Comerciários, a convenção tem um problema que é o desconto em folha das três parcelas. Denise diz que, segundo a Medida Provisória (MP) 873/2019, mesmo que o empregado assine o termo de adesão autorizando o desconto em folha, a cobrança deve ser feita via boleto.
Entretanto, a assessora jurídica dos Comerciários, Márcia dos Santos, diz que a cobrança vai ser feita conforme a convenção coletiva e que não haverá emissão de boletos. Ela destaca que há diversas decisões judiciais no Estado que autorizam a permanência de descontos das contribuições assistenciais direto na folha de pagamento, justamente pela inconstitucionalidade da MP 873/2019, que foi prorrogada até junho.
A CONVENÇÃO COLETIVA 2019/2020
O acordo determina as normas para abertura do comércio nos feriados, com exceção da Páscoa, 1º de maio, 25 de dezembro e 1º de janeiro de 2020. Confira os trechos da convenção referente à bonificação aos empregados pelo trabalho nos feriados:
- Parágrafo primeiro - As empresas do comércio lojista de Santa Maria, deverão dar um dia de folga aos empregados que trabalharem nos feriados, obrigatoriamente, até trinta dias após o feriado trabalhado, a título de repouso semanal, mais o pagamento de prêmio de R$ 80 a título de indenização, na folha de pagamento do mês correspondente ao feriado, independente da jornada de trabalho realizada no feriado.
- Parágrafo segundo - Os empregados convocados para trabalharem em feriados, e que apresentarem oposição ao desconto da contribuição assistencial ao sindicato, deverão receber dois dias de folga em até 30 dias após o feriado trabalhado, sem recebimento do prêmio estipulado no parágrafo primeiro. A identificação será feita quando do envio da lista de empregados convocados, devendo ser priorizado na escala, os empregados que autorizaram o recolhimento da contribuição assistencial.
- Parágrafo terceiro - Será facultado ao empregador escolher entre as condições prevista no parágrafo primeiro, e o pagamento do dobro do valor correspondente a remuneração devida pelo trabalho nos feriados. Quando não houver folga compensatória, aos empregados que não efetuaram a oposição ao desconto da contribuição assistencial, fica assegurado o pagamento do valor mínimo de R$ 100 a título de trabalho pelos feriados.